20.11.06

Conceito de sistema internacional

O conceito de sistema internacional está intrinsecamente ligado à idéia de Estados soberanos – necessariamente mais de um – estabelecendo entre si relações de cooperação (em oposição às relações de subordinação vigentes no interior das nações), em virtude da inexistência de um órgão hierárquico superior. Dessa forma, vigora um sistema anárquico no qual prevalece a política de poder, ou seja, a capacidade de um Estado impor seus interesses egoísticos e sua visão própria de mundo aos demais. Dito isso, a formação de um império ou de uma democracia universal decretaria o fim desse sistema, uma vez que um único Estado estabeleceria uma única nacionalidade e uma única forma de governo, formando, assim, um sistema mundial de âmbito nacional e não internacional.
Importante lembrar que o sistema internacional é um conceito que não existe fisicamente, uma vez que se apresenta como construção teórica e abstrata, elaborada com a finalidade precípua de se produzir um entendimento minimamente coerente das causas e conseqüências das ações externas dos Estados e de suas interações mútuas. Ademais, a teoria das relações internacionais toma como ponto de partida a pluralidade dos centros autônomos de decisão, admitindo o risco de guerra e deste risco deduz a necessidade de calcular os meios.
Para Raymond Aron, o sistema internacional é o “conjunto constituído pelas unidades políticas que mantêm relações regulares entre si e que são suscetíveis de entrar em uma guerra geral”. Sua característica principal é a configuração de relações de força. O pensador distingue sistemas homogêneos, onde prevalece o reconhecimento mútuo dos atores políticos, de sistemas heterogêneos, como o caso da Guerra Fria, em que não há o reconhecimento da legitimidade do outro bloco político. Lafer acrescenta uma nova desigualdade nos dias atuais, qual seja, o fenômeno do terrorismo contemporâneo.
Celso Lafer aponta o consenso fundador do sistema internacional na natureza dos atores. Há um reconhecimento mútuo dos Estados, cuja motivação psicológica original é o interesse. Ressalte-se que os objetivos das nações, de acordo com Aron, dividem-se em eternos – segurança, potência e glória – e históricos, objetivos concretos fixados que evoluem com as técnicas de guerra e de produção e com as idéias que presidem à organização, ao governo das coletividades (idéia de nação e de igualdade jurídica) e ao costume.
Acrescente-se ainda que o sistema internacional, nas palavras de Aron, “representa o aspecto interestatal da sociedade à qual pertencem as sociedades submetidas a soberanias distintas”. Lafer, por sua vez, enxerga uma dialética entre a subjetividade das soberanias e o aumento das interdependências, na medida em que quanto maiores forem os laços de dependência entre as unidades políticas, menores serão, como conseqüência, os espaços de autonomia dos governos nacionais.
Posto isso, é uma característica das relações internacionais a pluralidade dinâmica dos objetivos concretos das políticas externas dos Estados que compõem o sistema internacional. Entre esses objetivos figuram a segurança, o desenvolvimento e o bem-estar, o prestígio e a afirmação de idéias. É isto que faz o conceito de interesse nacional um conceito plurívoco e, por vezes, esquivo.
A lógica durável das relações interestatais é caracterizada pela distribuição individual, mas desigual do poder entre Estados. Os equilíbrios / desequilíbrios provenientes da ordenação estratificada de poder podem levar a sistemas multipolares – Concerto Europeu – ou bipolares – Guerra Fria – e, atualmente às tensões da unipolaridade – hegemonia norte-americana.
Por fim, é importante salientar a aparente anomia do sistema internacional. Essa suposta ausência de ordem é decorrente da falta de sanção ao Estado transgressor de norma do direito internacional, a quem tão-somente poderá ser alvo de retaliações por parte de outros entes soberanos. Desse modo, a aceitação da norma se faz voluntária, segundo no entender dos realistas, ou por medo de eventual punição. A despeito disso, houve, durante o século XX, grande evolução do direito internacional público em função, dentre outras coisas, do aumento da interdependência dos Estados em decorrência da globalização, da enorme quantidade de tratados assinados e ratificados pelas nações, da codificação do direito consuetudinário pela Comissão de Direito Internacional (CDI) das Nações Unidas, e do aparecimento e da grande expansão do direito ambiental.
Estabelecido o conceito de sistema internacional, resta identificar e situar seu nascimento e sua evolução até os dias atuais, uma vez que a definição de sistema internacional não é estanque e ahistórica.
Costuma-se identificar o Tratado de Vestfália, de 1648, como marco fundador do Estado moderno e do nascimento do atual sistema internacional. Na ocasião, foram elaborados os paradigmas que norteariam a conduta dos Estados. De um lado, o conceito de “raison d´état”, proclamado pelo Cardeal Richelieu, suplantou a idéia medieval de moralidade universal e estabeleceu que os Estados buscariam no cenário internacional seus próprios interesses em nome da razão de Estado. De outro lado, Hugo Grócio, com seu tratado “Os direitos de guerra e paz” que estipulava os direitos de se ir à guerra e de fazer a paz e o dos combatentes, inaugurou o moderno direito internacional público. Assim, foram formados os alicerces do sistema internacional moderno.
O Iluminismo, nos séculos XVII e XVIII, trouxe mudanças de pensamento que abalaram os alicerces do Antigo Regime. As idéias liberais floresceram e impregnaram os espíritos de filósofos e estadistas, alterando velhos conceitos políticos e econômicos. Como resultado, as barreiras dos Estados absolutistas foram demolidas, abrindo caminho para o estabelecimento das Monarquias nacionais, construídas em torno das idéias de Locke – direito de liberdade – e de Montesquieu – direito de igualdade. Desse modo, os últimos resquícios do feudalismo e da sociedade estamental são abolidos.
Novas modificações ocorrem em reação às guerras napoleônicas que varrem a Europa no fim do século XVIII e início do século XIX. No Congresso de Viena, realizado em 1815, Metternich, o representante austríaco, introduz o conceito de balança de poder, cuja função era preservar o equilíbrio de forças entre as potências européias e a paz. Sua idéia era evitar o surgimento de uma nova ameaça semelhante à da França bonapartista, que pusesse em risco a própria existência dos demais Estados. Ademais, o representante francês no Congresso, o cardeal Talleyrand, defende o princípio da legitimidade dinástica, com o intuito de se garantir o poder real às dinastias de direito. Por último, é importante ressaltar o aparecimento do novo conceito de nação, que experimentará grande progresso a partir da segunda metade do século.
A paz e a estabilidade européias, mantidas pelo equilíbrio de poder, terminam com a eclosão da Primeira Guerra Mundial. É o fim dos últimos grandes impérios, que se fragmentam, exemplo dos Impérios Otomano e Austro-Húngaro. A Rússia, por sua vez, passa por duas revoluções catárticas, em 1917, que resultam na formação de um novo Estado socialista, a União das republicas Socialistas Soviéticas (URSS). Ademais, os estados Unidos apontam como nova potência ao término da guerra. O presidente norte-americano, Woodrow Wilson, proclama seus famosos quatorze pontos e no Tratado de Versailles, rejeita a volta ao realismo europeu da balança de poder. Em seu lugar, defende o idealismo americano, que prevalece no final e resulta na criação da Liga das Nações, a grande inovação introduzida no sistema internacional.
Importante frisar o significado da elaboração do Pacto Briand-Kellog, que entrou em vigor em 1928, pois estabeleceu a renúncia da guerra como instrumento de política nacional e, desse modo, introduziu um paradigma completamente novo nas relações entre Estados.
Os acordos de Versailles, entretanto, não foram capazes de evitar a hecatombe produzida pela Segunda Guerra Mundial. No pós-guerra, o mundo passa por grandes transformações. A Europa abandona a política de poder em nome de uma política de negociação. O mundo divide-se em dois blocos antagônicos, separados por fronteiras ideológicas e liderados, por um lado, pelos Estados Unidos, representantes dos países capitalistas, e, por outro lado, pela URSS, líder do mundo socialista. A Liga das Nações é substituída pelas Nações Unidas que, atualmente, possui representantes de todos os Estados do planeta, sendo seu centro decisório situado no Conselho de Segurança, responsável pela aprovação de medidas de intervenção em nações sob sua égide. Por fim, foram reconhecidos os princípios de auto-determinação dos povos (fim dos protetorados) e de não-intervenção – respeito à soberania dos Estados.
A última grande mudança no sistema internacional dá-se a partir da queda do muro de Berlim, em 1989, e com o colapso da URSS, em 1991. Dessa forma, os Estados Unidos tornam-se a única grande potência do globo terrestre.Para concluir, cabe dizer que a legitimidade, no sistema internacional atual, apóia-se no tripé democracia, direitos humanos e meio ambiente. E, finalmente, uma ordem mínima é criada a partir da guerra justa, da regra do “pacta sunt servanda” e do reconhecimento mútuo das soberanias, que segundo Hedley Bull, são as referências aos objetivos sociais vida, propriedade e verdade.