20.11.06

Processos de globalização e regionalização

Por globalização, entende-se o livre fluxo de mercadorias e de capitais em escala global. Já a regionalização, é a aproximação, cooperação e integração de países no âmbito regional, com a intenção de se impulsionar o comércio e a circulação de bens, pessoas e capitais entre fronteiras. Portanto, a globalização atua em um plano “macroespacial” e a regionalização no “microespaço”. Além disso, a regionalização é, ao mesmo tempo, causa e conseqüência da globalização.
Ressalte-se que a globalização surgiu com intensidade no século passado, a partir do pós-guerra, no entanto, suas raízes podem ser reconhecidas no século anterior, especificadamente na segunda metade do século XIX, na chamada “Idade de Ouro do Liberalismo”.
Os passos decisivos que possibilitaram a emergência da globalização foram dados com a Revolução Industrial, no século XVIII, e com a disseminação do liberalismo pelos Estados europeus. A partir daí, os motores que movimentariam a globalização estavam estabelecidos. De um lado, a Revolução Industrial trouxe a inovação técnica, a produção em escala, com a introdução das máquinas, a urbanização, o desenvolvimento das manufaturas e a transformação dos meios de circulação, resultado da invenção da ferrovia e do motor a vapor. De outro lado, o liberalismo promoveu a abertura das fronteiras, imposta ou espontânea, dos países para a livre circulação de bens e de capitais. A conjugação de maior mobilidade e de liberação do comércio, criaram as condições para o florescimento da “Idade de Ouro do Liberalismo”, entre 1850 e 1870.
Contudo, no século XX, duas guerras mundiais, intercaladas por uma grande depressão, interromperam o ciclo de crescimento – já abalado pela depressão da década de 1870 que levou a uma corrida protecionista e elevação de tarifas aduaneiras –, retomado a partir de 1950, com a reconstrução da Europa devastada pela guerra, a diminuição relativa das tarifas de importação, o aparecimento de novos países industrializados, União Soviética e Japão, que abriram caminho para um período de contínuo crescimento econômico, a chamada “Idade de Ouro do Capitalismo”.
Importante destacar o aumento do comércio entre fronteiras que, em função, dentre outros, da complementaridade das cadeias produtivas, da divisão internacional do trabalho e da vantagem comparativa, levou ao aumento da interdependência entre os países que, por sua vez, diminuiu o apoio interno às guerras, na medida em que estas resultam em diminuição do comércio, aumento dos gastos militares, redução do parque fabril e contração econômica. Então, a lógica do econômico suplanta a lógica da guerra e os Estados deixam de utilizá-la como instrumento de política nacional e passam a usar seu peso econômico como elemento de pressão a outros países.
Ressalte-se que a globalização restringe-se ainda ao fator econômico, ou seja, às trocas comerciais e ao movimento de capitais transfonteiriços. O livre fluxo de pessoas entre países ainda é uma utopia, sendo realidade somente em escala regional e só plenamente exercido na União Européia.
O aumento da cooperação entre Estados é resultado da consciência de que existem temas de ordem global que interessam a todos indistintamente e, portanto, necessitam de uma solução conjunta. Ademais, com o fim do regime comunista e o conseqüente triunfo do capitalismo, certos valores ocidentais tornaram-se universais, como, por exemplo, o respeito aos direitos humanos, a democracia e a preservação do meio ambiente.
Pode-se afirmar que a globalização produz um movimento de integração horizontal e vertical. Por globalização vertical entende-se a padronização de normas e da legislação nacionais. De um lado, a crescente expansão do fluxo comercial induz à equalização de normas e de especificações técnicas, fruto da proliferação dos tratados internacionais, da criação de organizações intergovernamentais, tais quais a União Postal Internacional. De outro lado, a globalização horizontal favorece a abertura das fronteiras e o livre trânsito de mercadorias, capitais, pessoas e informações entre países. Atualmente, somente o lado econômico progrediu por meio da criação de instituições como a Organização Mundial do Comércio (OMC), o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (Bird) e o Banco Internacional de Compensações (BIS).
Importante mencionar os efeitos da revolução técnico-científica para a globalização, uma vez que ela alterou os antigos paradigmas da Revolução Industrial e acelerou a marcha da globalização. A chamada Revolução da Informação ou Terceira Revolução Industrial substituiu a antiga acumulação fixa pela acumulação flexível, o fordismo e o taylorismo pelo pós-fordismo e o pós-taylorismo. Soma-se a isso, a horizontalização e a terceirização de empresas multinacionais. Dessa forma, a produção, em busca de custos menores, transferiu-se para países em desenvolvimento e o fornecimento de matérias-primas e bens intermediários diluíram-se por todo o espaço terrestre. Isso foi possível graças à introdução do avião a jato e dos navios cargueiros, cada vez maiores e velozes, dos satélites de comunicação e de localização globais, da transmissão de voz e dados em tempo real e para qualquer parte do globo.
Se, por um lado, as forças centrípetas da globalização fortalecem os laços de cooperação entre Estados, por outro lado, a regionalização, ao mesmo tempo em que estreita os vínculos dos países próximos, auxilia o processo de globalização ao estabelecer elos de comunicação e de entendimentos entre diferentes regiões. Assim, a globalização e a regionalização formam uma via de mão-dupla.
A criação do Zollverein – área de livre-comércio entre ducados e reinos alemães, sob a liderança da Prússia –, em 1834, inaugurou o movimento de regionalização no cenário internacional. Mas, será a partir do século XX, no pós-guerra, que ele se intensificará. Os acordos regionais, desde então, serão, ao mesmo tempo, uma defesa e uma reação ao aumento do protecionismo, cujo epicentro situava-se na Grande Depressão de 1929. Nem a criação do “General Agreement on Tariffs and Trade” (GATT) foi capaz de recriar o ambiente de liberalismo da segunda metade do século XIX. Dessa forma, multiplicaram-se os tratados de livre-comércio regionais, a exemplo da Comunidade Econômica Européia (CEE) que deu lugar à União Européia, a área de livre-comércio asiática (Asean), a Alalc, substituída pela Aladi em 1980, o Mercosul, o Nafta e a Cafta. Esses tratados foram a forma encontrada pelos governos estatais para expandir o fluxo de comercial e estimular a economia interna de seus países. Além disso, as nações, agrupadas em blocos econômicos, passaram a negociar em conjunto e a assinar acordos de livre-comércio com outros Estados e blocos regionais, aumentando, assim, seu poder de negociação e sua força política. Atualmente, o mundo encontra-se dividido em blocos econômicos regionais, interligados, em maior ou menor grau, por meio de tratados de cooperação.
Pode-se afirmar, portanto, que o mundo, a um só tempo, regionaliza-se e globaliza-se. Apesar disso, é importante ressaltar que, enquanto a globalização ainda encontra-se restrita ao âmbito comercial e financeiro, a regionalização avança por novas áreas como, por exemplo, cooperação cultural, livre e irrestrita circulação de pessoas, harmonização de normas e procedimentos burocráticos e intercambio na área de educação e parcerias na área de ciência e tecnologia,
Por fim, é importante destacar alguns efeitos positivos e negativos da globalização e da regionalização.
A globalização estimula as trocas comerciais entre países ao aumentar o intercambio de mercadorias, ao promover o livre-comércio, ao criar um mercado produtor e consumidor de alcance global. Isto, por sua vez, promove o crescimento e o desenvolvimento econômico das nações, na medida em que aumenta o fluxo comercial mundial, expande o mercado consumidor nos Estados e incrementa a renda nacional. E, tudo isso favorece um ambiente de estabilidade e de relativa paz internacional, pois ao interessar a todos, o crescimento econômico funciona como uma barreira aos conflitos bélicos que provocam depressão econômica, perdas financeiras e queda da renda nacional.
Entretanto, se por um lado, a globalização mostra-se positiva ao criar um cenário de prosperidade e de estabilidade internacionais, por outro lado, ela produz efeitos colaterais. Em primeiro lugar, o crescimento econômico não se faz por igual em todos os lugares, mas, ao contrário, aumenta as assimetrias entre ricos e pobres, entre nações subdesenvolvidas e desenvolvidas. Alem disso, o livre-mercado, por meio da vantagem comparativa, leva à perpetuação, em muitos casos, da relação de dependência entre países avançados, exportadores de produtos manufaturados e de alta tecnologia, atrasados – exportadores de matérias-primas –, uma vez que as baixas tarifas de importação e os preços mais baixos dos produtos importados desestimulam o florescimento da indústria nascente local. Dessa forma, perpetua-se o ciclo de pobreza, inflado ainda pela formação de grandes cartéis e oligopólios globais que ditam os rumos do mercado mundial. Por último, vê-se o surgimento do desemprego estrutural, devido à informatização de procedimentos e a utilização intensiva de tecnologia que substituem a mão-de-obra, não compensada pela abertura de novas áreas de trabalho. Há um aumento do número da oferta no setor de serviços e contração no setor industrial. Esse efeito agrava-se nos países em desenvolvimento e subdesenvolvidos uma vez que o setor de alta tecnologia não se encontra totalmente amadurecido.
Já a regionalização, é um fator positivo para os Estados, pois a cooperação regional, além de reduzir atritos e desconfianças, aumenta o poder de barganha dos países que, conjuntamente, exercem maior poder político no cenário internacional. Ademais, o aumento do intercâmbio comercial eleva a competitividade e a renda nacional das nações. No entanto, a regionalização pode vir a ser prejudicial às relações internacionais no momento em que se torna um fim em si mesma, ou seja, sirva como substituta dos acordos mundiais, o que pode levar à fragmentação do sistema internacional em blocos regionais, refratários uns aos outros. Henry Kissinger afirma que o século XXI apresenta crescente contradição entre globalização e fragmentação.
Já Habermas afirma que hoje, são os Estados que se acham incorporados aos mercados e não a economia política às fronteiras estatais. O Estado nacional vê-se privado do poder devido à perda de capacidade de controle estatal e aos crescentes déficits de legitimação no processo decisório. A resposta pode vir de quatro paradigmas. Primeiro, na forma da ortodoxia liberal, com políticas econômicas voltadas para a oferta e subordinação incondicional à integração social planetária por meio dos mercados. Nesse modelo, modela-se o Estado para competir, por meio do “entrepreunal state” – liberdade negativa. No outro externo, pode-se optar por um furor protecionista, fechando as comportas estatais ao exterior. Ou então entender que o capitalismo sem barreiras não pode ser domado, mas amortecido nacionalmente, por meio de uma atuação pró-ativa do Estado, com tentativas de qualificar seus cidadãos a fim de capacitá-los para a competição. Por último, pode-se buscar uma saída para o dilema entre o desarmamento da democracia do Estado social e o armamento do Estado nacional.
Em conclusão, pode-se afirmar que a globalização, atualmente, é um acontecimento não obrigatório para os Estados, mas certamente irreversível para o mundo. Assim, ao optar-se pelo não à globalização, está-se escolhendo o caminho do isolamento. Por fim, a regionalização pode funcionar como elemento promotor do desenvolvimento econômico, se conduzida de forma a incentivar a industrialização e o progresso técnico-científico das nações. Dessa forma, criar-se-á condições de competição, em contraposição aos efeitos deletérios da globalização.