20.11.06

Teorias de integração regional

Karl Deutsch define a integração como um relacionamento entre partes componentes, na qual elas são mutuamente interdependentes e, conjuntamente, produzem propriedades do sistema que, como partes, não teriam. Pode-se afirmar ainda que a integração regional é um acordo formal e escrito entre duas ou mais unidades políticas que objetiva o intercâmbio, a cooperação ou a interligação física, política, econômica ou cultural. O primeiro experimento histórico de integração, o Zollverein, demonstrou a necessidade de liderança política e econômica de um país para conduzir o processo com êxito.
Na avaliação de Deutsch, quatro elementos se fazem necessários para que a integração ocorra: relevância mutua das unidades políticas; existência de recompensas efetivas; receptividade mutua; e, valores comuns. Uma vez estabelecida, a integração promove um ambiente de estabilidade e de paz nas relações internacionais, além de ser o primeiro passo para a expansão da cooperação em nível mundial e para a abdicação do exercício de uma soberania plena. Ademais, ao prevalecer o entendimento à competição, abre-se caminho para a superação das relações de força e o florescimento de relações de cooperação. Nesse contexto são germinadas as sementes da teoria do funcionalismo que, segundo Deutsch, baseia-se na “esperança de que, ao delegar mais e mais tarefas a organizações funcionais específicas, as nações do mundo tornar-se-ão, gradualmente, integradas em uma única comunidade dentro da qual a guerra será impossível”.
À medida que as unidades políticas abdiquem de sua soberania plena em favor de entidades intergovernamentais, elas perdem parte de sua capacidade de controlar e de influir nos destinos da nação. Na área econômica, os acordos de redução de tarifas aduaneiras retiram parte da capacidade dos governantes de estimular industrias nascentes ou incentivar determinados setores econômicos. Na política, a assinatura de tratados internacionais diminui a ação do legislador de fazer leis e de editar regulamentos, limitando, dessa forma, a plena capacidade dos países de se autogovernar. Assim, forma-se a comunidade política, um conjunto de agentes políticos cuja interdependência é suficiente para influir substancialmente nas conseqüências de algumas das decisões relevantes de cada um.
Posto isto, as nações encontram-se confrontadas por algumas importantes questões, como, cooperação versus competição, paz e guerra, mudança versus continuidade, nação e mundo, realismo versus idealismo. O idealismo kantiano e sua idéia de “paz perpétua”, a partir da formação de uma confederação permanente de nações, por um lado, e o realismo hobbesiano, com a visão de um sistema internacional anárquico e hostil, em que vigora um estado de natureza de guerra de todos contra todos, por outro lado, delimitam os limites ideológicos do sistema internacional. Atualmente, o mundo transita entre esses dois extremos. Ao ter abandonado, no pós-guerra, o emprego de relações de força e adotado uma postura de dialogo e cooperação, concretizada na figura das Nações Unidas, somado ao avanço de movimentos de interação regional e à criação de organizações intergovernamentais, o realismo e sua balança de poder cederam espaço para o pluralismo e para a busca de possíveis harmonias. Em outras palavras, o multilateralismo substitui o unilateralismo.
O aumento da cooperação internacional levou ao crescimento da interdependência entre os Estados, que se encontram cada vez mais integrados por meio de acordos regionais, desde um simples tratado de livre-comércio até a união de países. Os tratados de livre-comércio – em defesa do liberalismo econômico – bilaterais ou plurilaterais definem reduções nas tarifas de importação, com a intenção de se estimular as trocas comerciais entre fronteiras. Em seguida, vêm as uniões aduaneiras, acordos que definem uma tarifa externa comum entre os países. O passo seguinte é a ratificação de um mercado comum, no qual os Estados abdicam de seu poder de decisão em matérias de política cambial, fiscal e monetária. O último estágio é a união entre nações, adotado somente pela União Européia e que pressupõe políticas econômicas comuns, união monetária e um Banco Central independente, um Parlamento, um Executivo e um Tribunal de Justiça próprios, além da adoção de uma constituição.
Segundo José Flávio Sombra Saraiva, o primeiro experimento histórico de criação de uma sociedade internacional – a ordem gestada em Viena – foi a base para uma grande fase cooperação cultural na Europa, embalada pela noção de poder e sem o romantismo de movimentos de nacionalidade. Para o diplomata, a “experiência histórica da formação de processos de integração demonstra como duas dimensões – a romântica e a pragmática – podem e devem seguir juntas”. Pode-se citar, para corroborar esse argumento, o processo de interação do Mercosul. Durante sua fase inicial, apoiou-se fortemente no aspecto político, que não produziu resultados concretos satisfatórios. Em uma segunda etapa, avançou-se no projeto de criação de uma união aduaneira e de um mercado comum, concentrando o foco no econômico. Atualmente, apesar do grande crescimento do fluxo comercial entre os países do bloco, este continua a enfrentar conflitos internos. Assim, para que haja um avanço na integração, o Mercosul deve aliar o pragmatismo com o romantismo, ou seja, as possibilidades com os idealismos. Nessa correlação, a cultura, através dos meios de comunicação e da indústria cultural, exerce importante papel no desenvolvimento de um sentimento coletivo de solidariedade nos povos da região.
Acrescente-se que, nos dias de hoje, os modelos de interação são constituídos em um sistema homogêneo, como em definiu Raymmond Aron, onde todas as partes componentes reconhecem-se. Entretanto, durante época do bipolarismo, vigorava um sistema heterogêneo, no qual as duas partes – Estados Unidos e União Soviética – não se reconheciam como legítimas. Desse modo, é importante distinguir os dois modelos de integração existentes à época. O primeiro, do bloco capitalista, liderado pelos Estados Unidos, defendia os princípios do liberalismo econômico e da democracia, em oposição ao mundo socialista, comandado pela União Soviética, que impunha o centralismo administrativo, a planificação da economia e a coletivização das terras. Dessa forma, a integração, no lado capitalista, visava a livre circulação de bens e capitais, sendo, portanto, basicamente econômica. Já, nos países socialistas, a integração era essencialmente política, por meio dos Partidos Comunistas nacionais e tinha por finalidade preservar a esfera de influencia soviética.
O processo de integração regional evoluiu com o progresso da história, desde o Congresso de Viena, em 1815, até a consolidação da União Européia nos anos 1990. A primeira área de livre-comércio criada foi o Zollverein, em 1834, que reuniu reinos e ducados alemães em torno da Prússia, potencia ascendente. Contudo, somente após a Segunda Guerra Mundial a integração aprofunda-se, em reação à devastação causada pela guerra. Os fios condutores desse processo, na Europa, serão o Plano Marshall, programa de auxilio econômico para a reconstrução do continente europeu, e a união de Franca e Alemanha para a produção conjunta de carvão e aço por meio da Comunidade do Carvão e do Aço (Ceca). Criam-se, assim, as bases para o estabelecimento da Comunidade Econômica Européia (CEE), em 1958, após a assinatura do Tratado de Roma. Em 1992, é assinado o Tratado de Maastricht, que funda a União Européia, substituindo a antiga Comunidade Européia.
O caso europeu é singular, mas, mesmo passados 50 anos desde seu inicio, a integração ainda encontra resistência e oposição. Devido a desentendimentos políticos, rivalidades históricas e mesmo níveis de desenvolvimento econômico e social desiguais, os países não aprofundam, ou mesmo não aderem a acordos de integração regionais. No caso da Ásia, foi criada a Asean, área de livre-comércio do sudeste asiático, que concentra os novos países industrializados (NIC´s) ou tigres asiáticos. No entanto, a rivalidade histórica entre China e Japão, Coréia do Sul e Vietnã, não permite que se vislumbre a possibilidade de execução de um projeto de integração continental. Na África, existe o desafio causado pelos múltiplos conflitos étnicos intraestatais e interestatais. Apesar disso, criou-se a União Africana (UA), sob a liderança da África do Sul, que pretende funcionar como elemento estabilizador e de segurança coletiva no continente, atuando diretamente nos conflitos, em nome da paz e do entendimento mútuo. No Oriente Médio, o pan-arabismo acirra disputas entre nações da região, Síria, Egito e Arábia Saudita, pela liderança do mundo árabe. Ademais, a criação da Organização dos Países Produtores de Petróleo (OPEP) demonstra a capacidade de união dos países exportadores de petróleo em torno de uma questão comum. Já, em relação às Américas, o Norte fundou o Nafta, sob a liderança dos Estados Unidos, na centro-américa, criou-se o Cafta. No Sul, houve uma inovação com a consolidação do Mercosul, o mercado comum do Cone Sul. Entretanto, o grande projeto continental, que reúne as três Américas, é a adoção de uma área de livre-comércio, sob o patrocínio dos Estados Unidos, do Alaska à Terra do Fogo.
Por fim, é importante ressaltar algumas vantagens e desvantagens do processo de integração regional.
Suas principais vantagens são, fundamentalmente, uma maior consciência de cooperação entre países, a noção de que é possível se construir consensos, um aumento da estabilidade, contribuindo para promoção a paz. Soma-se a isso, a diminuição de atritos e de desconfianças entre Estados-nação, o crescimento econômico em razão do aumento do comércio entre fronteiras e o ganho de força política nas negociações de acordos internacionais. Tudo isso, contribui para o avanço da globalização.
Em contraposição, há diminuição da soberania nacional, aumento da complementaridade das cadeias produtivas e da interdependência, que podem aumentar os riscos de que recessão em determinado país se alastre pelos demais membros do bloco. Ademais, em razão da vantagem comparativa, pode ocorrer a perpetuação da inferioridade econômica de um Estado, como, por exemplo, o caso do México, que acabou se tornando um mero montador de produtos industrializados originários dos Estados Unidos. Por fim, a regionalização pode levar à fragmentação do sistema internacional se as negociações globais forem substituídas por acordos bilaterais e/ou regionais. Portanto, pode-se afirmar que a integração avança simultaneamente com a globalização. No entanto, o aumento da interdependência diminui os espaços de manobra dos Estados. Com o primado do capitalismo e das idéias liberais, as possibilidades de implantação de políticas heterodoxas dissolvem-se. No entanto, a soberania estatal está longe de desaparecer ou e se subordinar a um poder comum supranacional.