20.11.06

Organizações e regimes internacionais

Nos dias atuais, devido, dentre outras coisas, aos fenômenos da globalização, interdependência e regionalização, há um aumento da relevância de organizações não-governamentais (ONG´s) e inter-governamentais (OIG´s). A partir do pós-guerra, elas começaram a adquirir importância crescente no cenário internacional.
O inicio das transformações do sistema internacional começa a partir do final do século XIX, época considerada por Barraglough como o princípio da Historia Contemporânea, pois, a partir desse momento, pode-se observar um conjunto de mudanças visíveis na paisagem do continente europeu em comparação com as décadas iniciais da segunda metade do século. As chamadas “forças profundas”, conceito criado por Renouvin que se refere às ações e forças atuantes que influenciam a tomada de decisões dos Estados, são, como conseqüência desse novo cenário, renovadas. A primeira grande transformação do sistema internacional ocorreu ao final da Primeira Guerra Mundial quando o presidente norte-americano Woodrow Wilson negou-se a relançar o conceito de balança de poder européia e influenciou na adoção de um novo paradigma teórico, o idealismo, modelo cooperativo e que acredita na idéia de existência de uma sociedade internacional, em contraposição ao realismo que defendia o modelo anárquico das relações internacionais e a competição entre nações em um estado hobbesiano de guerra de todos contra todos. O primeiro passo dado para a mudança foi a proclamação dos chamados “Quatorze Pontos” de Wilson, seguido da criação da Liga das Nações, a primeira organização intergovernamental da história. Ironicamente, os Estados Unidos ficam de fora da Liga, pois o Congresso norte-americano veta a participação do país que retorna à sua histórica posição de isolacionismo.
Não obstante, a Liga fracassa, após sofrer baixas de países importantes como a Alemanha, o Brasil e a Itália. A política de apaziguamento do entre-guerras se mostra frágil e impotente para impedir o avanço do rearmamento e das rivalidades externas que levarão à Segunda Guerra Mundial, de efeitos ainda mais catastróficos que a anterior. Ao final da guerra, a Europa se encontra devastada e vê seu papel de centro do mundo dissolver-se. Surgem novas potencias fora do continente, na Ásia e na América do Norte. A antiga Liga das Nações cede lugar para as Nações Unidas.
A primeira organização não-governamental, a Cruz Vermelha, foi criada nos anos 1860, como conseqüência direta da conscientização dos horrores da guerra da chamada Batalha de Solferino. Um século depois, surge o Greenpeace, movimento de proteção do meio-ambiente, um novo marco do sistema internacional estruturado a partir de relações interestatais. As organizações não-governamentais passam, então, a ser um novo ator nas relações internacionais, promovendo, em um primeiro momento, a defesa do meio-ambiente, e, em um segundo estágio, especializando-se em determinados temas e alargando sua base de atuação, abarcando novas áreas como direito dos refugiados e defesa de liberdades civis e de imprensa. O aumento da conscientização e da compreensão a respeito dos problemas ambientais desencadeou um movimento global em favor da proteção da flora e da fauna terrestres. O Greenpeace surge nesse novo cenário, na década de 1960. Nos anos 1970, novas organizações são formadas para defender interesses específicos, como o desmatamento das florestas tropicais ou animais em extinção. Assim, há uma expansão vertical – especialização – e horizontal (geográfica) dessas entidades.
Apesar de portar-se como ator no sistema internacional, as ONGs não são sujeito de direito internacional, ou seja, elas não podem entrar em relações com Estados, nem firmar tratados internacionais. Uma ONG é criada por livre vontade de seus dirigentes e para poder atuar em determinado Estado deve seguir os trâmites legais do país para constituir-se como empresa privada, com sede própria. É importante frisar que as ONGs exercem, nos dias atuais, importante papel na ordem internacional, ao lado da opinião pública internacional e a mídia, como elementos de pressão e formadores de opinião. Ao contrário do que afirmam alguns teóricos, as ONGs não fracassaram e tampouco tendem a desaparecer em curto prazo. Elas continuam em atividade, podendo-se notar sua presença na defesa das liberdades civis e dos direitos humanos na China e no Oriente Médio, do meio-ambiente em uma ampla gama de países, do combateà fome, principalmente na África. Sua ação revela-se, muitas vezes, silenciosa e fragmentada no espaço em virtude da pouca divulgação de sua presença pela mídia. No entanto, a tendência é de sua consolidação. Sua função das mais importantes é conscientizar e divulgar, mais do que transformar o sistema, objetivo utópico que só pode ser alcançado a longo prazo, à medida que mais e mais pessoas e governos estatais despertem para os problemas de nível mundial.
Diferentemente das organizações não-governamentais, as organizações intergovernamentais são criadas a partir da vontade dos Estados, por meio de um tratado fundação. Entretanto, elas não possuem plena capacidade de direito, só conferida aos Estados-nações, uma vez que elas não são livres para assinar acordos ou se relacionar com outros Estados, ficando sua atuação restrita ao descrito em seu tratado constitutivo. Desse modo, para tornar-se pessoa jurídica de direito internacional, os Estados membros de uma OIG devem aquiescer, homologando a decisão por meio de um tratado internacional, a exemplo do Mercosul que adquiriu personalidade jurídica em função da assinatura o Protocolo de Ouro Preto, em 1994. De outro modo, as decisões da OIG devem passar pelo consentimento dos Estados-parte.
O tratado-fundação de uma OIG estabelece o grau de autonomia de suas decisões em relação aos Estados membros. Um tratado de livre-comércio, por si só, não institui personalidade jurídica à organização, muito menos autonomia, sendo suas decisões fruto do consenso das partes. O grande paradigma é a União Européia – fundada em 1991, a partir do Tratado de Maastricht – que possui independência em relação aos Estados membros, tendo constituído um Parlamento Europeu, uma Comissão Européia, um Tribunal de Justiça e um Conselho de Ministros, além de um Banco Central da Europa. Já as Nações Unidas abrigam em seu seio, atualmente, todas as nações do globo terrestre, tornando-se, dessa forma, a grande assembléia mundial, local de tomada de decisões – aprovação de normas e procedimentos – de interesse global. Seu braço é o Conselho de Segurança, órgão responsável pela preservação da paz e da estabilidade do sistema internacional, além da aprovação de intervenção ou sanção a outro Estado.
Pode-se citar ainda a Organização Mundial do Comércio (OMC), foro de concertação político para tratar de assuntos econômicos, como redução de tarifa aduaneiras, subsídios governamentais, protecionismo estatal, acesso a mercados e proteção de patentes. Cada membro da organização possui um direito a voto nas decisões e assembléias. O Fundo Monetário Internacional (FMI) é o responsável pela aprovação e a concessão de empréstimos a países em dificuldades financeiras, sendo sua função precípua preservar a estabilidade do sistema econômico mundial. Já o Banco Mundial (Bird) empresta recursos para a realização de obras de infra-estrutura, principalmente nos países em desenvolvimento.
Por tudo isso, pode-se dizer que as organizações não-governamentais, juntamente com as intergovernamentais, alteraram a estrutura do sistema internacional ao tornarem-se novos atores com poder de influenciar as decisões dos Estados. Sua expansão foi resultado do avanço da globalização e da regionalização e do inicio do novo paradigma idealista, tendente à cooperação entre Estados, em substituição ao antigo sistema de relações de força baseado no realismo, tendente à competição.