20.11.06

Temas da agenda global: democracia, direitos humanos, meio-ambiente, segurança, comércio e finanças

Pode-se falar em agenda global somente quando se forma um sentido de cooperação entre os Estados em torno de certos temas que interessem e afetem a todos. Isso só é possível a partir da segunda metade do século XX.
Somente a partir do momento em que os Estados abdicam da guerra como meio de fazer política e das relações de força e passem a buscar a cooperação é que se torna possível produzir uma agenda global. As Nações Unidas, nesse contexto, funcionam como agente indutor da cooperação, por meio do incentivo ao diálogo e à cooperação interestatais. Um exemplo concreto de sua atuação é a formulação das chamadas Metas do Milênio, conjunto de objetivos a serem alcançados conjuntamente pelos Estados, como a redução da extrema pobreza e a redução do analfabetismo.
A conscientização dos países de que há certos temas que afetam a todos, só podendo ser equacionados mediante uma ação de cooperação, demonstra que a antiga idéia de relações de força e de realismo político começam a ceder espaço para a cooperação e o pluralismo nas relações internacionais. Essa nova atitude é resultado, dentre outros fatores, do aumento da interdependência entre Estados, fruto da globalização e da regionalização, dos efeitos da Terceira Revolução Industrial no modo de organização do sistema capitalista. Esses eventos pressupõem universalidade, ou seja, movimentos de efeitos globais e alteram as denominadas “forças profundas” que agem no sistema internacional, interferindo nas decisões dos governos estatais.
O fim do chamado sistema heterogêneo, formulado por Raymond Aron, no qual Estados Unidos e União Soviética não se reconheciam a legitimidade de um e outro, e o inicio de um sistema homogêneo, a partir da queda do muro de Berlim, facilitaram a elaboração de uma agenda comum internacional. Pode-se citar também a conscientização dos efeitos da poluição para o meio-ambiente que trouxeram a necessidade de preservação para a ordem do dia. A supremacia do capitalismo, com o fim dos regimes comunistas, elevou as idéias vigentes no mundo Ocidental à condição de paradigmas para todo o mundo.
Por tudo isso, o sistema internacional avançou da antiga legitimidade baseada na força, para uma legitimidade apoiada no tripé democracia, direitos humanos e meio-ambiente. Ressalte-se, no entanto, que a força continua sendo usada pelas grandes potências, vide o caso da invasão dos Estados Unidos no Iraque sem a anuência do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Destarte, às nações em desenvolvimento e subdesenvolvidas, não resta alternativa a não ser seguir os princípios da ordem internacional e as leis do Direito Internacional, sob pena de verem-se imputadas de falta de legitimidade, podendo ser alvo de sanções internacionais e, até mesmo, intervenções militares, a exemplo do Irã e da Coréia do Norte que insistem na produção de uma bomba atômica.
Se, por um lado, o senso de cooperação, a globalização e a revolução técnico-científica, dentre outros, levaram à criação de uma agenda global, por outro lado, estes mesmos fatores trouxeram problemas igualmente de âmbito mundial, como a lavagem de dinheiro, o narcotráfico, o contrabando e a imigração ilegal. Ademais, na década de 1990, surge uma nova ameaça global, o terrorismo difuso, caracterizado por uma estrutura descentralizada e em rede, sem um rosto definido e que vai exigir um esforço coordenado de todos os países para enfrentá-lo de modo eficaz.
Hoje, a democracia tornou-se um valor universal, cuja bandeira os Estados Unidos levantam nos quatro cantos do mundo, servindo até como justificativa de intervenções militares em outros Estados soberanos, vide o caso do antigo Iraque de Saddam Hussein. O fim do mundo comunista legou à humanidade o capitalismo democrático como solução única para todos os Estados, independentemente de suas particularidades. Daí provém a contínua denúncia do autoritarismo dos regimes islâmicos, vistos como atrasados e violadores dos direitos internacionais, por exemplo, as restrições de liberdade das mulheres.
Isso remete à defesa dos direitos humanos que, por sua grande importância, levou á criação do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Além disso, seus princípios estão consagrados na Declaração dos Direitos Universais, de 1948. Em complemento, todos os continentes assinaram tratados de defesa dos direitos humanos, com é o caso da Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos, da Convenção Africana sobre Direitos Humanos e Liberdades Civis e da Convenção Européia sobre Direitos Humanos. A supressão das liberdades individuais e da repressão do regime chinês levaram a sociedade internacional a condenar a China que respondeu, na década de 1970 com o chamado “white paper”, chamando a atenção para as diferenças culturais, defendendo, assim, o relativismo cultural.
Já o meio-ambiente, começa a crescer em importância a partir da década de 1960, quando novos estudos científicos fazem uma visão alarmista do futuro. Em 1968, o Clube de Roma publica o relatório “Limites para o Crescimento”, fazendo uma análise apocalíptica do futuro. O movimento malthusiano renasce, prevendo uma nova explosão demográfica no mundo. Desde então, a comunidade internacional começa a conscientizar-se dos problemas causados pela poluição e pela destruição do ecossistema terrestre. O grande salto é dado em 1992, com a realização da Eco-92 que trouxe um novo paradigma, qual seja, o desenvolvimento sustentável.
O tema da segurança ganha dimensão ampliada a partir da primeira explosão atômica, no final da Primeira Guerra Mundial. O principal eixo da Guerra Fria foi em torno da questão da segurança. O desenvolvimento dos mísseis balísticos tornou a posição geográfica irrelevante para a segurança de uma nação.Em resposta a esse novo equilibro baseado no terror, diversos tratados de não-agressão e não-proliferação são assinados pelos Estados, sendo o grande exemplo o Tratado de Não-Proliferação (TNP), de 1968, que congelou a ordem nuclear existente, dividindo o globo entre detentores ou não da bomba atômica. Atualmente, o globo terrestre encontra-se totalmente coberto por tratados que prevêem a proscrição de armas nucleares, como o Tratado de Tlatelolco e a Zona de Paz do Atlântico Sul (Zopacas). Entretanto, alguns países insistem em sua produção, caso da Coréia do Norte e do Irã, chamados de eixo do mal por George Bush.
Nos dias atuais, o fenômeno da globalização mundializou a economia de mercado do capitalismo em um sistema no qual finanças e comércio entrelaçam-se e definem o novo capitalismo comercial-financeiro, chamado de neocapitalismo. Os primeiros passos para a definição de uma agenda global em torno do comércio foram dados com a criação do “General Agreement on Trade and Tariffs” (GATT), no pós-guerra, em resposta ao aumento do protecionismo das nações desde a depressão de 1930. No entanto, seu campo de atuação e seu poder de imposição das normas estabelecidas ficaram restritas no acordo final, limitando-se à diminuição das tarifas aduaneiras. O grande salto foi dado em 1994, com a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC) que incluiu, alem do comércio, serviços, proteção de patetes e compras governamentais, além de elaborar um sistema de sanções eficaz e de criar um órgão de solução de controvérsias. A criação do “Bank of International Settlements“ (BIS), o banco central dos bancos centrais, para fiscalizar a solvência e a atuação dos bancos na cena internacional, complementou a regulamentação e ordenação do sistema financeiro e comercial mundiais.
Por tudo isso, pode-se afirmar que o sistema internacional caminha para o abandono definitivo da antiga ordem realista da “raison d´état” e avança para a consolidação do pluralismo, baseado na cooperação entre nações. A existência de uma agenda global atesta esse fato que é fortalecido pela globalização.