20.11.06

Fundamentos da Paz, Segurança e Defesa.

A política der defesa é de natureza política, e como qualquer política, é transitória e temporária. A política de segurança, por sua vez, tem duas dimensões, uma externa, voltada primariamente para assuntos de defesa (o conjunto de ações militares que visam garantir o estado de segurança) e uma interna, para assegurar primariamente o monopólio do uso da força pelo Estado em seu território.
Os Estados, por meio de suas políticas exteriores, sempre colocaram a segurança em primeiro lugar. Acrescente-se que a condução da política externa, no âmbito da geopolítica, aparece como instrumental, uma vez que os recursos – homens, instrumentos e armas – são mobilizados pelos Estados com fins de segurança ou de expansão, a exemplo dos conceitos de Mackinder de Heartland e Worldland que originaram muitas ideologias geográficas.
É importante lembrar que o atual sistema internacional foi delineado em Westphalia, em 1648, quando surgiram os Estados modernos e com eles as embaixadas permanentes, as chancelarias estáveis e os exércitos regulares. O antigo moralismo universal é superado em nome da raison d’état. A lógica desse sistema é a distribuição individual, mas desigual de poder entre os estados. Os provenientes equilíbrios/desequilíbrios derivados da ordenação estratificada de poder podem levar a sistemas multipolares, como o Concerto europeu, ou bipolares, como a Guerra Fria, e, hoje, às tensões da unipolaridade.
Esse frágil equilíbrio entre nações leva a uma paz que sempre carrega o espectro da guerra presente, seja pela desconfiança, pela ameaça, pelo armamento, pelas lembranças mal-cicatrizadas, pelo temor sobre o futuro. A reconciliação raramente aparece nos casos humanos. Uma guerra origina outras guerras e a paz definitiva é, portanto, uma ilusão. Vale lembrar que o ideal de paz universal, segundo Bobbio, foi abandonado com o fim do universalismo religioso. Este equivale ao pacifismo cristão de Aron, o qual deseja, em última instância, fazer do Papa o juiz supremo.
Vale lembrar também que os responsáveis pela conduta das políticas exteriores dos países, segundo Aron, confrontam-se com o que se denomina problema maquiavélico e kantiano. O primeiro é o do realismo dos meios legítimos da condução da política externa que, no limite, comporta o uso da força. O segundo é o da busca da paz perpétua, de um principio regulador da humanidade que substitua a “moral do combate”.
Conforme fundamentam os realistas, a natureza humana determina o expansionismo. A natureza humana é determinada pela paixão pelo poder, pelo animio dominandi. Ademais, a natureza do sistema internacional determina a situação de conflito permanete. Dessa forma, o pacifismo, nas três formas definidas por Bobbio – instrumental, institucional e ético - revela-se impossível.
No campo oposto, os racionalistas sustentam que os instintos originais do homem são positivos, caminham para a sociabilidade. Outrossim, há regimes políticos, como a democracia, que induzem a um comportamento pacífico. E quanto mais intenso for o comércio, mais devem ser evitados os conflitos que interrompem os fluxos comerciais entre estados. Assim, é possível alcançar ao chamado pacifismo econômico definido por Aron, que segue o pensamento liberal que afirma que o comércio é por natureza contrário à guerra. Ele pacifica, enquanto a rivalidade política inflama as paixões. Cabe lembrar também a visão dos socialistas utópicos, para quem a paz entre os Estados será conseqüência natural da paz interna das nações. Enquanto houver miséria, enquanto as injustiças não forem eliminadas, continuará a haver também lutas entre individuas e classes sociais.
É importante sublinhar que, apesar do regime de anarquia que vigora no sistema internacional, há uma certa estabilidade conseguida pela guerra justa, pelo reconhecimento mútuo das soberanias e do “pacta sunt servanda”. A conduta diplomático-estratégica tende a se justificar por meio de certas idéias, pretende obedecer a normas e a submeter-se a princípios. Nesse contexto, a segurança dos Estados foi forjada por meio de um equilíbrio de poder entre os grandes Estados que, conforme dito, sempre traz consigo o perigo da guerra. Os desequilíbrios dessa balança de poder sempre levavam ao desencadeamento de uma guerra para no final restabelecer o equilíbrio novamente em bases vantajosas para os Estados vencedores. Lembre-seque a Paz de Westphalia durou 150 anos, rompida pela era napoleônica que almejava o império universal e com ele um pacifismo imperialista. Já o sistema criado no Congresso de Viena em 1815 durou 100 anos. E a Guerra Fria prolongou-se por 40 anos.
Após a I Guerra Mundial, o fundamento da segurança é modificado com a idéia de “segurança coletiva”, baseado no preceito de cooperação e aliança militar entre nações com o propósito de se preservar a paz e a estabilidade mundial. No pós-guerra, é criado o Conselho de Segurança que fica com a incumbência de dirimir e intervir nos conflitos internacionais. Ademais, a entrada da era nuclear tornou possível, pela primeira vez, alterar a balança de poder através do desenvolvimento nuclear em um país soberano isolado. A estratégia, então, transformou-se em dissuasão e a dissuasão em exercício esotérico. A estratégia de defesa passa, como resultado, pelo desenvolvimento de armas nucleares que, por sua vez, levam ao estabelecimento da paz de terror. A simples ameaça de um conflito atômico poderia desencadear a destruição de todo o mundo.
O antigo equilíbrio militar, a paz de potência definida por Aron, mantido pela capacidade de ação militar e do estoque e desenvolvimento de armas se esvai. O poder permite agora atacar a distância, através de mísseis balísticos, e o controle de uma via de movimento torna-se inútil. Essa nova realidade leva os Estados Unidos e redefinir seu projeto de defesa nacional com a idéia do chamado programa “Guerra nas Estrelas”, a construção de um escudo antimísseis.
Soma-se a isso, a ameaça terrorista que emerge no pós-Guerra Fria. Os ataques de 11/09/01 aos Estados Unidos forçaram o país a novamente redefinir sua política de segurança. Como resultado, aumenta-se o controle das fronteiras, é desencadeada a chamada “guerra preventiva” contra possíveis ameaças à estabilidade e segurança do país.
Por fim, resta dizer que o aumento da cooperação entre os Estados permitiu o desenvolvimento do direito internacional e o sonho com o pacifismo jurídico, ou seja, a resolução de conflitos por meio de soluções jurídicas. Vale destacar o corpo de normas jurídicas escritas chamado de Direito de Haia, elaborado a partir de duas conferências internacionais de paz em Haia, em 1899 e 1907, onde foram elaboradas as convenções multilaterais sobre “jus ad bellum” – normas internacionais que regulam tanto o direito de ir à guerra e o da prevenção da guerra –, e o “jus in belle”, normas internacionais sobre a condução de hostilidades nos dois tipos de guerra então existentes, a terrestre e a marítima, bem como o regime de neutralidade. Ressalte-se que a guerra não é ilegal, como a revolução. O sistema legal interno se rompe, mas o internacional não, apenas funciona.
Em conclusão, pode-se afirmar que os fundamentos da segurança e da defesa se deslocam de uma preocupação de cada Estado para algo que diz respeito a todos os países e que todos cooperam para a manutenção da paz e da estabilidade global. No entanto, a paz continua sendo definida como algo temporário, como a ausência de guerra. Os conflitos continuam existindo. Como sustenta Huntington, após o aparecimento do moderno sistema internacional, os conflitos se davam em boa medida entre governantes. Após a Revolução Russa, os conflitos davam-se entre ideologias. E, após o fim do comunismo, passam a se dar entre civilizações. Correto ou não argumento, o certo é que os conflitos sempre existiram e continuarão a existir por muito tempo.