20.11.06

Principais linhas e diretrizes da política externa brasileira

A influência do Brasil na cena internacional cresceu ao longo do século XX, passando de uma atuação de pouco relevo para uma posição de “global player” na virada do milênio. O desenvolvimento industrial acelerado do país, por meio da industrialização por substituição de importações, a partir do pós-guerra, levou o país a uma posição de destaque nas relações internacionais.
Entretanto, o Brasil não possui excesso de poder, seja político, econômico, militar ou cultural, devendo, dessa forma, pautar sua ação no cenário externo pela conquista de legitimidade e pela busca de consenso. Para isso, o país deve reter alguns predicados a fim de conseguir credibilidade, fator essencial para a inserção madura no sistema internacional. Dentre estes, a coerência nos seus posicionamentos externos, ou seja, a reiterada confirmação de seus pontos de vista, dão ao país capital político para postular um papel ativo nos assuntos de ordem internacional. Além disso, algumas características da diplomacia brasileira conferem a ela respeitabilidade internacional.
Destaque-se a capacidade do país, nas palavras de Celso Lafer, “de traduzir necessidades internas em possibilidades externas”, a fim de buscar no exterior os meios para a consecução de seu projeto nacional. Soma-se a isso, a capacidade de produzir consensos internacionais e de interpretar a realidade do mundo, moldando-a às necessidades do país.
Há algumas características da diplomacia brasileira que lhe conferem uma verdadeira identidade internacional. Por exemplo, a política externa reveste-se por uma atuação pragmática e realista, sem imobilismos paralisantes ou impulsos maquiavélicos. Ademais, esta se pauta por uma leitura grociana da realidade, conjugando realismo e idealismo para produzir uma política ativa, com resultados concretos.
Por tudo isso, o Brasil construiu sua reputação de “global player” no sistema internacional. Atualmente, o país caracteriza-se por ser uma potência média de escala continental, destinado a exercer a liderança do continente sul-americano por meio de seu “soft power”, ou seja, através da produção de consensos e defesa dos interesses do subcontinente na cena internacional. Assim, liderança natural de direito e não de fato. Frise-se, que a Constituição Federal de 1988 estabelece, em seu parágrafo 4º, que o Brasil buscará a integração política, econômica, cultural e social dos países latino-americanos.
A posição de liderança no continente foi resultado das mudanças ocorridas na política exterior brasileira e em função do crescimento econômico acelerado durante a segunda metade do século XX. A partir de 1930, o Brasil reconhece-se como país subdesenvolvido e inicia uma política de industrialização em busca da superação de sua condição de país agrário e rural. Em 1937, Getúlio Vargas inaugura a diplomacia do pragmatismo, visando a busca no exterior dos recursos e dos meios necessários para o desenvolvimento econômico do país. Nessa direção, é assinado um acordo com os Estados Unidos para a construção da primeira usina siderúrgica do Brasil, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), no Vale do Paraíba. Acrescente-se que a atuação do país na Segunda Guerra Mundial, com o envio de tropas para o cenário da guerra, rendeu dividendos na forma de acordos, com França e Estados Unidos, de cooperação na área militar, para treinamento e modernização das Forças Armadas.
No governo Dutra, opta-se pelo alinhamento automático com Washington. O Brasil assina com os Estados Unidos acordos de cooperação para exploração e aproveitamento dos recursos de urânio do país, que vigoram ao longo da década de 1950. Juscelino Kubitschek lança a Operação Pan-americana (OPA), em 1961, com o objetivo de pressionar o governo norte-americano a fornecer ajuda econômica para o desenvolvimento industrial dos países latino-americanos. Em resposta, Kennedy proclama a “Aliança para o Progresso”, prevendo aportes financeiros no valor de 10 bilhões de dólares ao longo de uma década. Sucedendo Kubitschek, Jânio Quadros inova na política externa ao inaugurar a Política Externa Independente (PEI) que naufraga no regime militar. Costa e Silva substitui-a pelo pragmatismo responsável. Nos anos 1990, as idéias neoliberais disseminaram-se pela região, influenciando-a e levando à criação de um novo paradigma, o Estado normal, subserviente aos desígnios do livre-mercado. Surge, também, o conceito de Estado logístico que transfere responsabilidades empreendedoras aos cidadãos. Por essa visão, Argentina e Brasil foram Estados normais e agora aspiram ser Estados logísticos, à semelhança do Chile, após uma década de privatizações e a busca do Estado mínimo.
A postura do Brasil, ao longo do tempo, de coerência e continuidade nas questões internacionais, conferem-lhe credibilidade e posição de destaque na cena internacional. A diplomacia brasileira, dentre outras características, pauta-se pela defesa à autodeterminação dos povos, pela política de não-intervenção, pelo respeito aos direitos humanos e pela defesa do meio-ambiente. Ademais, pode-se citar o posicionamento do país contra a colonização, o repudio ao racismo e à adesão aos tratados de não-proliferação nuclear.
Atualmente, a legitimidade de um Estado apóia-se no tripé democracia, direitos humanos e meio-ambiente. O Brasil aumenta seu capital de legitimidade ao defender a democracia interna e externamente, ao preservar o meio-ambiente por meio de medidas como a assinatura de tratados de cooperação, como o Tratado da Amazônia (1978), e o Tratado da Bacia do Prata (1973), além de criar um projeto de vigilância para a Amazônia, o denominado Sivam, e realizar em 1992 a Eco-92, a segunda conferencia mundial sobre meio-ambiente. Em relação aos direitos humanos, a Constituição brasileira, em seu artigo 5º, prevê uma série de direitos que protegem os cidadãos contra abusos, e em seu artigo 4º, inciso II, afirma que a Republica Federativa do Brasil reger-se-á em suas relações internacionais pela prevalência dos direitos humanos. Dessa forma, o país adquire respeitabilidade e voz no sistema internacional.
Por fim, é importante definir as prioridades e os campos de atuação da política exterior brasileira. Devido à sua localização geográfica no Cone-Sul, o país deposita grande parcela de seu tempo à questão da integração regional. Destarte a secular afirmação de que o Brasil encontra-se voltado para a Europa e de costas para a América do Sul, a partir da década de 1970 começa a haver uma aproximação, materializada, por exemplo, nos tratados de cooperação da Amazônia e da Bacia do Prata, as construções da hidrelétrica de Itaipu e da ponte da Amizade, entre Brasil e Paraguai, a criação dos grupos Contadora e Apoio e, conseqüente, unificação no chamado Grupo do Rio, em 1986, verdadeiro foro de concertação política dos países sul-americanos. Na década de 1990, com o processo de redemocratização no continente, começa a haver um movimento real de integração com a formação do Mercosul em 1991, com a proposta da Iniciativa das Américas para a criação de uma área de livre comércio entre os países americanos. Em 2000, é assinado em Brasília o tratado que formaliza a criação da Alcsa, Área de Livre-Comércio Sul-americana.
Ademais, o Brasil atua intensamente nos foros mundiais e regionais buscando, na área econômica, a diminuição das barreiras alfandegárias e subsídios à agricultura dos países ricos, um comércio mundial mais eqüitativo e menos restritivo, além de acordos comerciais bilaterais ou plurilaterais de forma a elevar seu fluxo de comércio com o resto do mundo. Na área política, busca-se uma posição de maior destaque e relevância no cenário internacional, cujo grande paradigma é a conquista de uma cadeira permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Em relação à área cultural, o país busca ampliar seus laços históricos com os países ibéricos e a África, por meio da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e da Convenção Ibero-Americana, além de estreitar vínculos com os países asiáticos e o Oriente Médio, podendo-se citar como a recente Conferencia América do Sul – Países Árabes (ASPA).