21.11.06

Estratégia e teoria da guerra

O diplomata e o soldado vivem e simbolizam as relações internacionais que, enquanto interestatais, levam à diplomacia e à guerra.
O elemento inicial da guerra – animal e humano – é a animosidade, impulso natural e cego. O segundo é a ação bélica, jogo de azar e de probabilidades que constitui uma “atividade livre da alma”. O terceiro elemento, que comanda os outros dois, é o ato político que pertence por natureza ao diálogo puro por tratar-se de um instrumento político. O elemento passional interessa ao povo, o aleatório ao exército e o intelectual ao governo. Este é decisivo e deve ordenar o conjunto.
Para Clausewitz, não se deve nunca esquecer do primado da política, já que a guerra não passa de um instrumento a serviço de objetivos fixados pela política. A guerra não é um fim em si mesma. Deve-se ter uma visão total dos interesses e objetivos pelos quais se combate. Para Barnet, a guerra é uma instituição social.
A natureza da guerra não muda, é a mesma desde sempre. Clausewitz afirma que a guerra tem duas naturezas, uma objetiva e outra subjetiva. A primeira é permanente, enquanto a segunda está sujeita a freqüentes mudanças. O caráter da guerra é sempre possível de mudança, conforme seus muitos contextos se alteram, mas sua natureza é fixa. Ademais, ainda de acordo com Clausewitz, a guerra deveria ser feita para assegurar uma paz vantajosa.
As razões da guerra são biológica e psicológica – a agressividade é influenciada pelo contexto social, pelas frustrações e inadaptação – e sociais (todo bem que não pode ser partilhado – potência e glória – é um objeto de inevitáveis disputas).
A guerra organizada, diferente das expedições e emboscadas, surgiu quando a indústria e o comércio da Idade de Bronze passaram a exigir uma certa estabilidade política. Desde o descobrimento dos metais até hoje, a maior ameaça à segurança dos homens não provém da natureza, mas de outros homens.
Para Bonanate, a teoria realista é a mais clássica e tradicional. Ela insiste que a distribuição de forças representa a principal causa da guerra em um ambiente fundamentalmente anárquico, como seria o do sistema internacional. Sendo assim, os estadistas estariam obrigados, à luz do chamado “dilema de segurança”, a iniciar a guerra toda vez que o arranjo das relações entre potências colocar em risco a vulnerabiliade de seu país.
Historicamente, as guerras quase sempre não foram guerras de extermínio. O homem tem aspirado à glória do triunfo e às vantagens da vitória. O extermínio dos povos contraria tanto o cálculo econômico como o desejo de ser reconhecido como superior. Dessa forma, o animal humano é agressivo, mas não luta por instinto. A guerra é uma expressão da agressividade humana, mas na é necessária. A dificuldade em manter a paz está mais relacionada à humanidade do homem do que à sua animalidade. O homem é o único ser capaz de preferir a revolta à humilhação e a verdade à vida. Por isso, a hierarquia dos senhores e dos escravos nunca poderá ser estável.
A atual idéia de limitar as hostilidades pela abstenção de certas armas não tem precedentes, mas é normal que os Estados procurem combater-se sem se destruir mutuamente. A abstenção das armas termonucleares equivale, hoje, à relativa moderação com que os estados civilizados agiam quase sempre, depois da vitória.
Em relação ao sistema internacional, este é caracterizado pela distribuição individual, mas desigual de poder entre os Estados. Os provenientes equilíbrios/desequilíbrios derivados da ordenação estratificada do poder podem levar a sistemas multipolares – Concerto Europeu –, ou bipolares – Guerra Fria –, e, hoje, às tensões da unipolaridade.
Na diplomacia tradicional européia, as grandes potências eram definidas, antes de mais nada, pelo volume de recursos à sua disposição (território e população), assim como pela sua força militar. Os pequenos Estados cediam aos poderosos.
Os três elementos que constituem a potência e a força são os recursos naturais disponíveis, o espaço ocupado pelas unidades políticas e a capacidade de ação coletiva.
Os objetivos das políticas externas dos Estados são a segurança, o desenvolvimento e o bem-estar, o prestígio e a afirmação de idéias. Os objetivos eternos dos Estados são segurança, potência e glória.
O espaço, os recursos e o número são motivos possíveis de conflitos, podendo também constituir causas não reconhecidas do comportamento coletivo.
Os objetivos dos Estados podem ser enunciados de maneira abstrata – segurança, poder e glória –, e concreta – espaço, homens e idéias.
Os objetivos do chefe, para Duroselle, são o poder, a riqueza, o prestígio e a conquista ideológica, elementos quantitativos de difícil escolha racional.
Quando os governos entram em cena, a sede de poder mistura-se com a sede de riqueza – abertura comercial e exclusividade de comércio.
Para Deutsch, a política externa de cada país diz respeito, em primeiro lugar, à preservação de sua independência e segurança, em segundo lugar, à promoção e proteção de seus interesses econômicos, seus esforços para ampliar e explorar sua própria propaganda nacional e ideológica em países estrangeiros.
É por meio da geopolítica, pela instrumentalização do espaço pelo Estado, que se desenvolve a prática estratégica do poder. O desejo de modificar o mapa político mundial para o controle dos recursos e posições, segundo a Geografia Concreta dos lugares, se manifesta desde a Antiguidade, gerando a tradição do “direito natural”.
A geopolítica não é uma ciência, mas uma técnica e uma arte ao serviço do poder de Estado. “Espaço é poder” já dizia Ratzel, que elaborou a teoria do “espaço vital” ou Lebensraum que representa o território ideal de uma sociedade. Este se define em função de sua população e de seus recursos naturais. Um dos vetores permanentes do debate geopolítico foi a contraposição entre poder marítimo e poder continental, o urso versus a baleia.
No entanto, a possibilidade de se poder atacar a distância, através, por exemplo, de mísseis balísticos, torna o controle de rotas de circulação inútil. Configura-se, então, uma nova geopolítica do equilíbrio de poder. Nessa visão de mundo, ao lado da distribuição de terras, mares, linhas de interconexão, passam a pesar novas variáveis, como população, ideologia e comércio, definindo-se duas grandes regiões geoestratégicas, base da Guerra Fria.
A era nuclear tornou possível, pela primeira vez, alterar a balança de poder através do desenvolvimento nuclear em um país soberano isolado. A estratégia transformou-se em dissuasão e a dissuasão em exercício retórico esotérico. Na corrida armamentista, o objetivo não era destruir o adversário, mas provocar-lhe um desgaste para, assim, poder-se manter a superioridade.
Outra estratégia militar é a persuasão, conjunto de procedimentos visando modificar os sentimentos, opiniões ou convicções. È um elemento de estratégia de subversão e repressão. A técnica da lavagem cerebral (reeducação) nasce dessa estratégia conjunta de persuasão e subversão. As idéias são mais maleáveis do que a alma e a nacionalidade está inscrita na alma, não nas idéias.
Já a Doutrina de Segurança nacional é baseada na guerra permanente entre comunismo e o mundo ocidental. Tem origem na noção de segurança coletiva. Seu precursor foi o americano Alfred Tayor com a concepção de Destino Manifesto que fundamentou a política externa dos Estados Unidos.
O Estado se identifica com a vontade de um líder individual – ditador – ou coletivo – Forças Armadas –, dotado de um poder discricionário e sem outros limites que sua própria autodeterminação. O terror é utilizado diretamente a fim de intimidar o inimigo (interno) e dissuadir os indecisos. A legitimidade do poder não emana e não depende de uma eleição popular. Adotam-se aparatos repressivos e redes de informação. O estado de crise permanente permite que se criem procedimentos arbitrários.
Partindo dessa doutrina, Barnet afirma que a premissa básica do Departamento de Segurança Nacional dos Estados Unidos é que a política internacional é um jogo, o objetivo de cada ator não é tanto ganhar quanto evitar a perda. Os problemas são administrados, não resolvidos. Poder é a capacidade de dominar usando a tecnologia da intimidação. O fracasso em reabastecer o suprimento de inimigos é a ameaça suprema que ronda qualquer Departamento de Segurança Nacional.
Colin Gray propõe alguns prognósticos que, para ele, devem ser lembrados. Primeiro, a guerra deve ser abordada de maneira que leve em consideração seus contextos político, social e intelectual. Segundo, tendências e análises não são um guia muito útil para o futuro. O futuro estratégico é guiado pelas conseqüências das tendências que observamos e que interagem e podem disparar uma cadeia de eventos não-lineares. Terceiro, surpresas acontecem. Não é provável que se possa prever mais algo hoje do que no passado.
Gray afirma que, fundamentalmente, a guerra muda muito menos freqüente e significativamente do que muitas pessoas gostariam ou apreciam. Isso não se deve simplesmente porque ela envolve uma constante – a voluntariedade de grupos organizados para matar e, em particular, arriscar-se a morrer –, mas também por causa da cultura material da guerra, que tende a ser o foco da atenção, que é menos importante do que seus contextos social, cultural e político.
A guerra entre grandes Estados está atualmente experimentando uma pausa por uma razão principal; é tão extremo o desnível de poder militar a favor dos Estados Unidos que as potências rivais não se permitem adotar políticas que possam levar a hostilidades com a superpotência. O comportamento político-estratégico atual reflete o contexto temporário de um mundo desprovido de sua arquitetura de balança de poder. A balança de poder hoje são os Estados Unidos, que atuam como xerifes globais, baseando-se unicamente em seu poder desproporcional.
A Era da Informação não descartou a geografia como prioridade. Esta retornará com a rivalidade geopolítica ativa entre as grandes potências e a aceleração da crise global do meio-ambiente.
Por fim, vale citar quatro argumentos expostos por Gray que mostram o que mudou e o que não mudou na guerra.
1) A natureza da guerra é a mesma. Entender isso é muito mais importante do que agarrar as últimas estratégias militares frutos das mudanças tecnológicas, organizacionais e doutrinais;
2) é essencial apreciar os significados dos vários contextos além dos militares. O condutor principal em direção à guerra, e na guerra, é o contexto político. A performance militar na condução dos combates é freqüentemente afetada pelo contexto cultural;
3) a guerra diz respeito à paz que vem a seguir;
4) não se deve jamais esquecer que através do tempo todas as tendências declinam e, eventualmente, expiram. O foco estratégico de defesa não é mirar nas tendências propriamente ditas, mas adivinhar, com base em estudos, quais podem ser suas conseqüências.